Advogados Reformados - Contra o confisco do subsídio a que têm pleno direito

1. Introdução


Em rigor, não há Advogados reformados se eles deixaram de Advogar e cancelaram a sua inscrição na Ordem dos Advogados, pois então não têm direito ao título profissional de Advogado, exclusivamente reservado aos licenciados em Direito com inscrição em vigor na Ordem, nos termos do artigo 65.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de janeiro.

Mas também ninguém aceitará que alguém, perguntado sobre a sua profissão, responda “reformado”, que notoriamente também não é profissão, pelo que o melhor será responder “reformado e antigo Advogado”.
Na verdade, é reconhecido aos “antigos Advogados” o direito de ser representados pelo Congresso dos Advogados Portugueses, nos termos do artigo 26.º - n.º 1 do citado Estatuto, que fala precisamente de “antigos Advogados cuja inscrição tenha sido cancelada por efeito de reforma”.

É esta a única disposição do Estatuto que permite concluir que a situação de reforma conduz ao cancelamento da inscrição, mas o próprio artigo 56.º do Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários – Regulamento n.º 232/2007, de 4 de Setembro, alterado pela Deliberação n.º 2170/2010, de 23 de Novembro, artigo que prevê os casos de cancelamento de inscrição, não se refere à reforma como causa de cancelamento, mas sim ao cancelamento “a requerimento do interessado que pretenda abandonar definitivamente o exercício da advocacia”.

Na verdade, há Advogados que, apesar de terem passado à situação de reformados pela Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS), continuam a advogar, mantendo a sua inscrição em vigor na Ordem, e esses, sim, são Advogados reformados, pois a pensão de reforma paga pela CPAS é cumulável com quaisquer outras pensões ou rendimentos, sem qualquer limite, não só nos termos do artigo 113.º - n.º 1 do atual Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, que doravante citaremos pela sigla CPAS, aprovado pelas Portarias n.º s 487/83, de 27 de abril, 623/88, de 8 de Setembro, e 884/94, de 1 de Outubro, salvo nas situações previstas na Lei n.º 52-A/2005, de 10 de outubro, para os titulares de cargos políticos, mas também nos termos do princípio da cumulação de inscrições obrigatórias, nos casos de vinculação simultânea a outro regime de inscrição obrigatória, princípio consagrado pelo artigo 8.º do mesmo Regulamento, e ainda nos termos do artigo 13.º - n.º 3 do mesmo Regulamento.

Mas não foi sempre assim, pois que, por força do Decreto-lei n.º 36.550, de 22 de outubro de 1947, pelo qual foi criada a Caixa de Previdência dos Advogados, como se designou até ao Decreto-lei n.º 402/78, de 7 de fevereiro, que alterou a sua denominação para Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, apesar de a estes se ter alargado o seu âmbito pelo Decreto-lei n.º 43.274, de 28 de outubro de 1960, com as restrições que o diploma estabelecia, previa-se que as pensões só eram exigíveis se o Advogado abandonasse efetivamente o exercício da advocacia e de qualquer outra profissão suficientemente remunerada.

Para continuar a advogar depois da reforma, é até costume requerer-se ao Conselho Geral da Ordem dos Advogados autorização para se continuar o exercício da advocacia, ao mesmo tempo que se requere a reforma à CPAS, embora nenhum preceito determine expressamente que a reforma conduza ao cancelamento da inscrição na Ordem, para além da conclusão que pode extrair-se do citado artigo 26.º - n.º 1 do Estatuto, antes sendo certo que o artigo 13.º - n.º 3 do Regulamento da CPAS prescreve que “concedida a reforma, será mantida a inscrição na Caixa se o beneficiário continuar a exercer a profissão, exercício que se presume decorrer da manutenção da inscrição no respetivo organismo profissional, obrigatoriamente até aos 70 anos e facultativamente depois dessa data”.

2. Idade mínima de reforma, cumulação da pensão de reforma com outras pensões ou rendimentos e idade máxima para inscrição obrigatória na CPAS


São pressupostos do direito à reforma, no termos do artigo 13.º do atual Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, a idade de 65 anos e 15 anos de inscrição ou 60 anos de idade e, pelo menos, 36 anos de exercício da profissão, e a pensão de reforma é cumulável, como vimos, com outras pensões ou rendimentos, sendo obrigatória a inscrição na CPAS de todos os inscritos na Ordem dos Advogados ou na Câmara dos Solicitadores, desde que não tenham mais de 60 anos de idade à data da inscrição (artigo 5.º - n.º 1).

Mas inicialmente não foi assim.

Pelo primeiro Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados, aprovado pela Portaria n.º 13.872, de 8 de março de 1952, a inscrição na Caixa era obrigatória em simultâneo com a inscrição na Ordem para todos os Advogados que exercessem efetivamente a profissão e ainda não tivessem completado 50 anos de idade e a idade de reforma por velhice era fixada aos 70 anos de idade e, com o alargamento da Caixa aos Solicitadores, pelo Decreto-lei n.º 43274, de 28 de outubro de 1960, passaram obrigatoriamente a ser inscritos na Caixa, todos os membros da Câmara dos Solicitadores que efetivamente exercessem a profissão de solicitador, encartado ou provisionado, e não tivessem mais de 60 anos de idade (artigo 2.º) e as pensões de reforma por velhice só eram concedidas aos 70 anos de idade e só eram exigíveis a partir da data em que os beneficiários abandonassem o exercício da respetiva profissão (artigo 11.º do Decreto-lei n.º 36.550 – nova redação).

Nada se tendo alterado, sob estes aspetos, no segundo Regulamento da Caixa de Previdência da Ordem dos Advogados aprovado pela Portaria n.º 18.022, de 28 de outubro de 1960, a Portaria n.º 19.785, de 29 de março de 1963, determinou que teriam igualmente direito a uma pensão de reforma os beneficiários ordinários de mais de 60 anos de idade que, tendo exercido a profissão durante 40 anos, seguidos ou interpolados, deixassem voluntariamente de exercer, sendo a pensão aos 60 anos de 33% da que se alcançaria aos 70 anos.

Pelo Decreto-lei n.º 402/78, de 15 de dezembro, que determinou que a Caixa de Previdência dos Advogados passasse a denominar-se Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS), o limite de idade para a primeira inscrição foi fixado em 60 anos, quer para os Advogados quer para os Solicitadores.

Quanto aos mesmos aspetos que temos vindo a referir, também nada se inovou com o terceiro Regulamento da CPAS, aprovado pela Portaria n.º 402/79, de 7 de agosto, a não ser quanto à atribuição da pensão de reforma, sem prejuízo da continuação do exercício da profissão (artigo 11.º).
Mas, com o quarto Regulamento, aprovado pela Portaria n.º 487/83, de 27 de abril, a pensão de reforma passou a ser atribuída, sem prejuízo da continuação do exercício da profissão, também aos 60 anos de idade com pelo menos 36 anos de exercício da profissão, como no atual e quinto Regulamento da CPAS, resultante da alteração de redação de várias disposições do Regulamento aprovado pela citada Portaria n.º 487/83, quinto Regulamento pelo qual, sem prejuízo da continuação do exercício da profissão, a pensão de reforma passou também a ser atribuída aos 65 anos de idade com pelo menos 15 anos de inscrição.

3. Contribuições obrigatórias ou facultativas dos beneficiários reformados que mantenham a inscrição no seu organismo profissional


Os beneficiários reformados são obrigados a pagar contribuições à CPAS, se mantiverem, e enquanto mantiverem, a sua inscrição no organismo profissional de que são membros, até aos 70 anos, sendo facultativo tal pagamento a partir dessa idade (Artigos 13.º e 73.º do Regulamento).
O pagamento de contribuições após a reforma faz acrescer ao valor mensal da pensão uma melhoria vencida após o pagamento integral de 12 contribuições e igual à soma de uma parcela fixa de 24,94 euros mais 1,2% da remuneração mínima mensal em vigor no ano anterior ao do vencimento da melhoria multiplicado por cada grupo completo de 12 salários mínimos nacionais pelos quais o beneficiário escolheu pagar as suas contribuições, sendo o escalão contributivo, na falta de escolha, calculado com base no 1.º escalão – 17% sobre um salário mínimo nacional (artigos 14.º, 72.º e 73.º do Regulamento).

4. Montante mensal da pensão de reforma


O montante mensal da pensão de reforma (artigo 14.º do Regulamento) resulta da soma das seguintes três parcelas:
a) 2% do total de remunerações convencionais anuais dos dez anos civis a que correspondam as remunerações convencionais mais elevadas de toda a carreira contributiva (R) a dividir por 140 multiplicado pelo número de anos completos de inscrição com integral pagamento de contribuições (T) – 0,02 x R/140 x T.
b) O valor de 12,47 euros multiplicado pelo número de anos completos de inscrição com integral pagamento de contribuições para além de 25 anos de inscrição – 12,47 euros x (T-25).
c) 0,006 multiplicado pela remuneração mínima nacional em vigor no ano anterior ao do início da pensão de reforma (S) multiplicado pelo número de grupos completos de 12 salários mínimos nacionais apurados durante todo o tempo de inscrição na CPAS e sobre os quais incidiram contribuições (G) – 0,006 x S x G.

As remunerações convencionais são escolhidas pelo beneficiário para base do cálculo das suas contribuições de 17% sobre tais remunerações de entre dez escalões, os primeiros seis correspondentes, respetivamente a um, dois, três, quatro, cinco e seis salários mínimos nacionais, o sétimo, a oito salários mínimos nacionais, o oitavo, a dez, o nono, a doze e o décimo a quinze.

Os subsídios de férias e de Natal são de quantitativo igual ao da pensão de reforma e são pagos, conjuntamente com a pensão mensal, respetivamente, nos meses de julho e novembro (artigo 17.º - n.º 3 do Regulamento).

5. Financiamento da CPAS


O artigo 10.º do citado Decreto-lei n.º 36550, que criou a Caixa, dispunha que “será integrado na Caixa de Previdência, como fundo especial, o atual fundo de assistência profissional da Ordem dos Advogados, que terá as receitas que lhe forem atribuídas por lei e as demais que lhe forem consignadas no Regulamento”.

Entre as receitas atribuídas por lei ao Fundo de Assistência estavam, desde 1933, as verbas da procuradoria, com as quais o diploma legal da criação da Caixa contou para a existência e estruturação do equilíbrio financeiro da Caixa.

Nos termos do artigo 19.º do mesmo Decreto-lei n. 39550, o Cofre de Previdência da Ordem dos Advogados deixava de existir na data em que começasse a funcionar a Caixa de Previdência e os valores pertencentes ao Cofre transitariam, com igual afetação, na mesma data para o Fundo de Reservas Matemáticas da Caixa.

E o Decreto-lei n.º 36551, de 22 de outubro de 1947, veio alterar o artigo 70.º do Código das Custas Judiciais, que passou a ter a seguinte redação:
“Da importância arbitrada a título de procuradoria e das remunerações a que se refere o artigo anterior será feita a dedução de 60%, cujo produto reverterá:
a) Para a Caixa de Previdência da Ordem dos Advogados, nos processos em que a parte vencedora seja representada só por advogado ou candidato à advocacia ou seja advogado ou candidato à advocacia o defensor nomeado oficialmente;”
O artigo 48.º do primeiro Regulamento da Caixa aprovado pela Portaria n.º 13872, de 8 de Março de 1952, estabelecia que, paralelamente às quotas mensais para a formação da pensão, constituíam, por força de lei, receitas estatutárias da Caixa a parte da importância arbitrada a título de procuradoria e das remunerações a que se refere o artigo 70.º do Código das Custas Judiciais, alterado pelo Decreto-lei n.º 36.551, destinadas à Caixa de Previdência, depois de deduzida a percentagem que para fins culturais fosse afeta ao Conselho Geral.

Em toda a legislação posterior se manteve a linha da tradição legal de afetação de uma parte da Procuradoria à CPAS, mas no Decreto-lei n.º 49213, de 29 de Agosto de 1969, estabeleceu-se que a participação da CPAS na receita proveniente das custas judiciais seria fixada anualmente pelo Ministro da Justiça.

O Decreto-lei n.º 214/87, de 28 de maio, acabou com este paternalismo e, com algumas correções, retomou o regime do Código das Custas Judiciais: da importância arbitrada a título de procuradoria a que a lei não dê destino, é feita a dedução de 15% para o Conselho Geral da Ordem dos Advogados, 2% para o Conselho Geral da Câmara dos Solicitadores e 45% para a CPAS

O Decreto-lei n.º 224-A/96, de 26 de novembro, aprovou novo Código das Custas Judiciais, mas não se afastou da anterior tradição quanto à participação da CPAS nas verbas da procuradoria, mas o Decreto-lei n.º 324/2003, de 27 de dezembro, que o alterou e republicou, estatuiu, no seu artigo 131.º - n.º 3, que das taxas de justiça cível, 56 milésimas revertiam para a CPAS

Aconteceu, porém, que, desgraçada e infelizmente, o artigo 134.º - n.º 1 da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, que aprovou o Orçamento Geral do Estado para 2007, revogou o artigo 131.º do Código das Custas Judiciais, quanto ao destino das taxas de justiça cível, não só para a Ordem mas também para a CPAS1.
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1 ORLANDO GUEDES DA COSTA, Direito Profissional do Advogado, 7.ª ed., Almedina, 2010, pág. 70, nota 145.

Mas o artigo 39.º do Regulamento das Custas Processuais aprovado pelo Decreto-lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, veio a dispor que o destino das custas processuais é fixado por Portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça e o artigo 39.º - n.º 3 da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, veio a dispor que constituem receita do Conselho Geral da Ordem dos Advogados vinte e um por mil das quantias cobradas a título de taxa de justiça em processos cíveis, tendo-se reduzido tal permilagem a cinco por mil pela redação da Portaria n.º 82/2012, de 29 de março, que também aditou ao referido artigo 39.º um n.º 5, pelo qual as verbas recebidas pela Ordem dos Advogados nos termos do n.º 1 apenas podem ser utilizadas para, no âmbito das respetivas competências, acorrer às despesas necessárias à regulamentação e organização da formação inicial e contínua de Advogados e Advogados estagiários bem como à promoção e aperfeiçoamento profissional daqueles.

Quanto à CPAS, porém, passou a autofinanciamento desde 2007, ao arrepio da História, fazendo-se tábua rasa da génese da sua instituição, quando a parte, que lhe era destinada, da procuradoria e, depois, da taxa de justiça, nos processos cíveis, por se ter pretendido que toda a procuradoria passasse a reverter para a parte vencedora, bem se justificava, porque para tal receita contribuem os Advogados como participantes na administração da justiça, cujas imunidades o artigo 208.º da Constituição garante tanto aos que intervêm pela parte vencedora como pela parte vencida, bem se justificando que a previdência de uns e outros, inteiramente solidários, beneficiasse de parte de tal receita2.
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2 Obra e autor citados, pág. s 413 e seguintes, nota 1206.

Note-se que a procuradoria desapareceu, com o Regulamento das Custas Processuais aprovado pelo citado Decreto-lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, embora lhe corresponda, de certo modo, o disposto no seu artigo 26.º - n.º 3 – c): a parte vencida é condenada nos termos previstos no Código de Processo Civil, no pagamento, além do mais, de 50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora, face às despesas com honorários do mandatário da parte vencedora (…).

Assim, os Advogados e as Advogadas são hoje o único sustentáculo da sua Previdência, que não é financiada pelo Orçamento Geral do Estado nem da Segurança Social.

Não se compreende, por isso, que a Caixa Geral de Aposentações, que é a entidade designada na Lei do Orçamento do Estado para 2012 para receber os montantes relativos aos subsídios de férias e de Natal cujo pagamento é suspenso nos termos do artigo 25.º durante o Programa de Ajustamento Económico e Financeiro, entenda que a CPAS está obrigada a suspender os referidos pagamentos e a entregar-lhe os montantes que sejam de deduzir nos termos do referido artigo 25.º, dando origem a que a CPAS se tenha visto obrigada, sob reserva e formal protesto, até decisão judicial definitiva sobre o caso, a suspender o subsídio de férias de 2012 dos Advogados reformados.

Porto, agosto de 2012.

Orlando Guedes da Costa

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